29/06/2009

Cota de Discórdia


Introdução

A questão das cotas raciais e sociais em universidades públicas está criando um impasse indesejável. Depois de conceder liminar suspendendo o benefício no estado do Rio de Janeiro, a Justiça decidiu, de forma ponderada, que ele está valendo para o próximo vestibular. No entanto, enquanto não houver decisão final, ele fica suspenso nos seguintes.

Ou seja, por enquanto, a indecisão persiste. Isso é o pior que pode acontecer para os alunos e para as instituições, que, sem saber como será a divisão de vagas para os próximos anos, ficam impossibilitadas de fazer seu planejamento acadêmico. Aliás, no meio universitário, principalmente, pensar a médio e longo prazos é fundamental.

A concessão de cotas a segmentos da sociedade considerados injustiçados será sempre polêmica. Dos dois lados, contra e a favor, há argumentos sólidos a justificar a opção.

Objetivo

Existe uma grande parte da população no Brasil a favor das cotas. Elas seriam o melhor remédio para compensar as desigualdades sociais. Surgiram para abrir as portas das universidades a jovens negros.

É solução curiosa: pula por cima do problema real das deficiências do sistema público de ensino básico e procura compensá-las abrindo as portas do ensino superior para o grupo mais numeroso das vítimas dessas deficiências. Concentrar esforços na melhoria do sistema, nem pensar: dá muito trabalho, demora muito.

Assim, desde que o sistema foi instituído, não se tem notícia de qualquer campanha ou ação oficial para melhorar as escolas públicas municipais e estaduais. As cotas resolvem aparentemente o problema; melhor, ignoram que ele exista. E parece haver, entre alguns políticos, educadores e cientistas sociais, uma aprovação em favor dessa solução preguiçosa.

Na verdade, é preciso reconhecer que a ideia das cotas tem o encanto da simplicidade e da rapidez. Dispensa qualquer preocupação séria e de longo prazo com a qualidade do ensino médio. Basta abrir as portas das universidades para mais candidatos. Não apenas pelo critério da cor da pele. No Rio, já há cotas para pessoas com deficiências físicas, para filhos de policiais e bombeiros. É muito mais fácil escancarar as portas do ensino superior do que oferecer à população um ensino médio gratuito e de boa qualidade.

Questão Racial

Em tese, as cotas surgiram como uma tentativa de corrigir uma injustiça histórica – o desfavorecimento a negros e índios –, em meio a um sistema de educação pública de má qualidade. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve votar um projeto que propõe expandir esse sistema e criar reservas de vagas com critérios raciais e socioeconômicos nas universidades federais.

Discutida como uma questão educacional, a instituição das cotas esconde seu real alcance para o país. Não se trata apenas de reparar injustiças contra estudantes negros ou índios. Se for aprovado na comissão e no plenário do Senado, o projeto criará a primeira lei racial do Brasil em 120 anos de história republicana. “A criação de cotas raciais não vai gerar problema para a universidade, mas para o país”, afirma o geógrafo Demétrio Magnoli. Ele participa das discussões no Senado e escreve um livro sobre a questão racial. “A partir do momento em que o Estado cria a raça, passa a existir também o racismo.”.

Por outro lado, o principal argumento dos militantes que fazem lobby pela aprovação das cotas raciais é o de que a herança da escravidão precisa ser reparada. Os negros brasileiros de hoje seriam descendentes dos escravos e, por isso, estariam muito atrás na corrida pelas oportunidades do mercado de trabalho. “As cotas têm de ser criadas porque os negros foram injustiçados”, diz Frei David Raimundo dos Santos, da ONG Educafro, um dos mais ativos militantes pró-cotas. “Por causa dessa herança, até hoje quem vai à universidade é a classe média branca, não a população negra.”

Acho interessante passar o testemunho do advogado José Roberto Militão, militante há 30 anos do movimento negro, contrário à instituição das cotas.

Militão faz parte da parcela cada vez mais relevante de ativistas do movimento negro que não quer a instituição das cotas raciais. “O Brasil nunca teve orgulho racial, nunca foi dividido. Os Estados Unidos sempre foram assim. O movimento negro vê isso como um dado negativo, mas é positivo”, afirma. Entre os censos de 1940 e 2000, o número de brasileiros que se declaram pardos cresceu de cerca de 20% para os 42% atuais. Isso mostra que os brasileiros não têm o sentimento de identidade racial. Ele teme que a criação das cotas coloque esse sentimento de mestiçagem a perder e gere conflitos raciais. “Aprovar um projeto de cotas raciais é ir na contramão”, afirma Militão. “O excluído pela cota vai debitar isso na conta do negro.” Esses excluídos formariam, portanto, um caldo de cultura para o racismo.

Alternativa

Diante do fato de ser pouco provável haver um consenso possível diante desse impasse, que não interessa a ninguém e cria a constante instabilidade de um recurso à Justiça mudar as regras do jogo, é preciso que o poder público tome atitudes. Uma delas poderia ser promover amplo debate nacional sobre o tema e, quem sabe, decidir a questão em referendo.

A eleição geral de 2010 poderia ser oportunidade de os brasileiros afirmarem se querem ou não que vagas nas universidades públicas sejam reservadas para grupos. Seria uma decisão soberana da sociedade e em relação à qual não caberiam mais recursos.

Com isso, chegaríamos a um modelo de ocupação das vagas na universidade e escolas públicas. Ele, certamente, não mudaria a opinião de quem é contra ou a favor, mas permitiria adotar a forma escolhida pela maioria. É assim que se faz na democracia.

Conclusão

No meu ponto de vista, criar atalhos para alunos entrarem no ensino superior é uma medida paliativa. A origem do problema da educação brasileira é a péssima qualidade do ensino público e a distância entre seus alunos e os que frequentam a rede privada. De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb), que avalia o desempenho dos alunos em língua portuguesa e matemática e sua aprovação, as escolas particulares estão em média 2 pontos na frente das públicas, numa escala de 0 a 10. A distância só aumenta com o avançar das séries. Em 2007, 90% dos alunos do 3º ano do ensino médio da rede pública não haviam aprendido o conteúdo esperado. A doença da educação ruim não será resolvida com mudanças no vestibular, menos ainda com a adoção das cotas. Mas há um grande risco de a adoção das cotas trazer uma doença capaz de rachar a sociedade brasileira - o racismo explícito na lei.

Um comentário:

Claudio Falcão disse...

Falar em raça é um absurdo. A espécie humana não se divide em raças e os geneticistas já demonstraram que mais de 80% da população brasileira tem significativa ancestralidade africana, o que significa que a maior parte dos que se declaram "brancos" também são, em alguma medida, "afrodescendentes". O contrário é, naturalmente, verdadeiro. Entre os "pretos", há os que apresentam alguma ancestralidade européia ou indígena. Num país afro-ibero-amerindio como o Brasil é insano falar em cotas raciais. Com a fertil e interessante história de miscigenações que o nosso país vivenciou é quase uma estupidez falar em leis raciais. Sou favorável a um sistema de cotas sociais, a instituição de bolsas, ou algo parecido. Entretanto, não me resta dúvida alguma que vc esta correto - a solução é preguiçosa!!! Acredito que a cotas possam existir como algo temporário até que o ensino básico esteja em pé de igualdade ao ensino privado, oferecendo condições semelhantes a todos. No entanto, as inciativas que buscam a qualificação do ensino público são pífias.

Abraços