25/04/2012

Corrupção


Quando se abre o jornal, no Brasil, é raro não nos defrontarmos com escândalos no mundo político. Casos de mau uso de recursos públicos, uso indevido da máquina administrativa, redes de clientelas e tantas outras mazelas configuram uma sensação de mal-estar coletivo, em que sempre olhamos de modo muito cético os rumos que a política, no Brasil, tem tomado. Criam-se, dessa forma, um clamor moral e um clima de caça às bruxas que geram instabilidade e um muro de lamentações e barreiras a projetos de políticas públicas. Contudo, apesar dessa sucessão de escândalos no Brasil, existe uma sensação de impotência por parte da sociedade; a corrupção é tolerada e os cidadãos ficam apenas aguardando qual será o próximo escândalo que circulará nos jornais.
 

Essa sensação de mal-estar coletivo com a corrupção cria concepções de senso comum acerca de uma natural desonestidade do brasileiro. Um dos traços característicos do senso comum no Brasil é que o brasileiro típico tem um caráter duvidoso e que, a princípio, não se nega a levar algum tipo de vantagem no âmbito das relações sociais ordinárias. Por isso, vários indicadores de confiança apontam o Brasil como um país onde a desconfiança impera. Para além do senso comum, esse tipo de leitura da realidade social brasileira converge para termos centrais das interpretações do país e a produção de conceitos no mundo acadêmico também incorpora esse tipo de visão, sendo o brasileiro típico um cidadão voltado para seus desejos egoísticos, que se expressam em formas sociais tais como o jeitinho e a malandragem.

Quando os militares estavam no poder, sabia-se que havia corrupção. Mas, pela falta de transparência, não se tinha ideia do tamanho do problema. De qualquer forma, acreditávamos que a solução viria com a democracia, essa espécie de bálsamo para todos os males. Veio a democratização e percebemos que a corrupção não havia acabado. Ao contrário, ganhou novos formatos e incluiu novos atores, como os parlamentares, que agora contavam com revigorado poder. Otimistas que somos, pensamos que a eleição direta para presidente diminuiria a corrupção. Elegemos o presidente pelo voto e ele foi afastado ... por corrupção. Bem, talvez o problema fossem os neoliberais. Então a esquerda chegou ao poder e tivemos o “mensalão”. Quando estávamos chegando à conclusão que a corrupção é coisa dos políticos, foi descoberto um esquema de venda de decisões no Poder Judiciário


Certamente a corrupção é um fenômeno difícil de ser combatido, especialmente quando ela decorre de causas históricas e estruturais. Por exemplo, uma de suas causas é o sistema político-administrativo, herança da colonização portuguesa, que preservou os vícios do patrimonialismo e do clientelismo. Esse sistema se caracteriza pela apropriação do patrimônio público como se privado fosse e pela concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Robert Klitgaard, um estudioso do tema, afirma que a corrupção é um crime de cálculo e não de paixão. Ou seja, o comportamento corrupto deriva menos da carência de princípios morais ou éticos, do que das condições materiais que permite que ele ocorra. De acordo com essa teoria, a corrupção envolve principalmente três variáveis: a oportunidade para ocorrer o ato ilegal, a chance de a ação corrupta ser descoberta e a probabilidade do autor ser punido.

Analisando-se essas variáveis, conclui-se que a administração pública brasileira é pródiga em oferecer oportunidades para a corrupção. Veja-se, por exemplo, os 20 mil cargos em comissão para os quais o presidente da República pode nomear servidores sem concurso público. Esses cargos, pelo menos em parte, são preenchidos por apadrinhados políticos, em descaso aos critérios de competência técnica. Por sua vez, o controle interno, que poderia ser um importante inibidor da corrupção, revela-se frágil e atém-se basicamente aos aspectos formais.

O crescimento da capacidade de investigar e descobrir os esquemas de corrupção talvez seja a melhor notícia sobre esse tema, graças, principalmente, à Polícia Federal que vem atuando com eficiência e profissionalismo, aplicando inteligência às estratégias de investigação e reunindo provas de forma meticulosa, inclusive contra servidores da própria instituição.

Quanto à probabilidade de ocorrer punição proporcional ao crime praticado, ela continua perto de zero. Um dos instrumentos para investigar a corrupção e punir os autores, as CPIs – Comissões Parlamentares de Inquérito – têm produzido poucos resultados, seja pelas limitações impostas pelos interesses pela política, seja devido ao espírito corporativista. Servem mais como palco para estrelismos do que propriamente para a investigação concreta.

Para que não nos esqueçamos alinho abaixo escândalos que se tornaram manchetes de jornais e de TVs e que com o tempo o brasileiro foi se acostumando :
 
# O período militar, iniciado com o golpe em 1964, teve no caso Capemi e Coroa- Brastel uma amostra do que ocultamente ocorria nas empresas estatais. Durante a década de 80 havia um grupo privado chamado Capemi (Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios), fundado e dirigido por militares, que era responsável pela previdência privada. O grupo era sem fins lucrativos e tinha como missão, gerar recursos para manutenção do Programa de Ação Social, que englobava a previdência e a assistência entre os participantes de seus planos de benefícios e a filantropia no amparo à infância e à velhice desvalida. Este grupo, presidido pelo general Ademar Aragão, resolveu diversificar as operações para ampliar o suporte financeiro da empresa. Uma das inovações foi a participação em um consórcio de empresas na concorrência para o desmatamento da área submersa da usina hidroelétrica de Tucuruí (empresa estatal). Vencida a licitação pública em 1980 deveria-se, ao longo de 3 anos, concluir a obra de retirada e de comercialização da madeira. O contrato não foi cumprido e o dinheiro dos pensionistas da Capemi dizia-se que fora desviado para a caixinha do ministro-chefe do Sistema Nacional de Informações (SNI), órgão responsável pela segurança nacional, general Otávio Medeiros que desejava candidatar-se à presidência do país. A resultante foi a falência do grupo Capemi, que necessitava de 100 milhões de dólares para saldar suas dívidas, e o prejuízo aos pensionistas que mensalmente eram descontados na folha de pagamento para a sua, futura e longínqua, aposentadoria. Além do comprometimento de altos escalões do governo militar o caso revelou: a estreita parceria entre os grupos privados interessados em desfrutar da administração pública, o tráfico de influência, e a ausência de ordenamento jurídico.


Em 1980 o proprietário da Coroa-Brastel, Assis Paim, foi induzido pelos ministros da economia Delfim Netto, da fazenda Ernane Galvêas e pelo presidente do Banco Central, Carlos Langoni, a conceder à Corretora de Valores Laureano um empréstimo de 180 milhões de cruzeiros. Cabe ressaltar que a Coroa-Brastel era um dos maiores conglomerados privados do país, com atuações na área financeira e comercial, e que o proprietário da Corretora
de Valores Laureano era amigo pessoal do filho do chefe do SNI Golbery do Couto e Silva. Interessado em agradar o governo militar, Paim concedeu o empréstimo, mas após um ano o pagamento não havia sido realizado. Estando a dívida acumulada em 300 milhões de cruzeiros e com o envolvimento de ministros e do presidente do Banco Central, a solução encontrada foi a compra, por Paim, da Corretora de Valores Laureano com o apoio do governo. Obviamente a corretora não conseguiu saldar suas dívidas, apesar da ajuda de um banco estatal, e muito menos resguardar o prestígio dos envolvidos.

# Durante as eleições para presidente em 1989 foi elaborado um esquema para captação de recursos à eleição de Fernando Collor. Posteriormente, foi revelado que os gastos foram financiados pelos usineiros de Alagoas em troca de decretos governamentais que os beneficiariam. Em abril de 1989, após aparecer seguidamente em três programas eleitorais, Collor já era um nome nacional. Depois que Collor começou a subir nas pesquisas, foi estruturado um grande esquema de captação de dinheiro com base em chantagens e compromissos que lotearam previamente a administração federal e seus recursos. Esse esquema ficou conhecido como “Esquema PC”, sigla baseada no nome do tesoureiro da campanha, Paulo César Farias, e resultou no impeachment do presidente eleito. Segundo cálculos da Polícia Federal estima-se que este esquema movimentou de 600 milhões a 1 bilhão de dólares, no período de 1989 (campanha presidencial) a 1992 (impeachment).

# as eleições parlamentares de 2006, em que cinco candidatos foram eleitos (ou reeleitos) apesar de terem sido denunciados pelo Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal, por estarem envolvidos em crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude, relacionados com o caso que ficou conhecido como o “mensalão”. Apesar de denunciados e de terem sido divulgados pela imprensa vários documentos que comprovavam a participação em esquemas ilegais, o eleitor, complacente, elegeu os deputados federais João Paulo Cunha, José Genoino, Valdemar da Costa Neto, Paulo Rocha e Pedro Henry.


Nossa breve história da corrupção pode induzir à compreensão que as práticas ilícitas reaparecem como em um ciclo, dando-nos a impressão que o problema é cultural quando na verdade é a falta de controle, de prestação de contas, de punição e de cumprimento das leis. É isso que nos têm reconduzido a erros semelhantes. A tolerância a pequenas violações que vão desde a taxa de urgência paga a funcionários públicos para conseguir agilidade na tramitação dos processos dentro de órgão público, até aquele motorista que paga a um funcionário de uma companhia de trânsito para não ser multado, não podem e não devem mais ser toleradas. Precisamos decidir se desejamos um país que compartilhe de uma regra comum a todos os cidadãos ou se essa se aplicará apenas a alguns. Nosso dilema em relação ao que desejamos no controle da corrupção é esquizofrênico e espero que não demoremos muito no divã do analista para decidirmos. Estarrecidos com tais casos que são relatados diariamente nos meios de comunicação, os brasileiros esperam ansiosamente uma solução que nunca vem. A falta de punição ainda impera, quase tudo sempre “acaba em pizza”. É aí que reside o papel da justiça, acabar com o atual quadro de letargia e elaborar leis mais eficazes e igualitárias para todas as classes.

Se a impunidade impulsiona o aumento dos crimes, eliminá-la, então, é o meio mais consistente de acabar também com a onda de corrupção que assola o Brasil. Isso é possível com uma reestruturação nas regras do país, de modo que elas atuem com igualdade entre as classes, adquirindo mais rigor e agilidade.


 
Muitas são as soluções para o problema na corrupção no Brasil. Obrigatoriamente, deve-se começar pela melhora da democracia de baixo para cima, reformando a política nos municípios e nos Estados, para evitar que o Congresso Nacional e os ministérios sejam, regularmente cúmplices da bandidagem. Tão grave quanto ser parceiro do bicheiro Carlinhos Cachoeira foi o senador Demóstenes ( caso de corrupção atual ), em sessão célebre do Senado, defender ter havido certo consentimento das escravas nos estupros que sofreram da elite branca.

Que dias melhores venham mas não se assuste : a CPI que investigará as relações do bicheiro acima com o mundo político em Brasília contará com as presenças do senador Fernando Collor ( 21 anos depois de seu impeachment ) e do seu conterrâneo Renan Calheiro s ( renunciou à presidência do Senado para escapar da cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar em 2007 ).

Parece piada mas não é...