15/03/2009

A Crise Financeira Mundial

Texto publicado na página do pH na internet em 21/10/2008:


http://www.curtosoulongos.blogspot.com/

No último mês, um furacão de potencial altamente destruidor atingiu o centro dos EUA e espalhou seus estragos pelos quatro cantos do mundo. O nome da tormenta: crise financeira. Bolsas asiáticas vivenciaram quedas históricas, o mercado financeiro entrou em curto, a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) pegou carona na tempestade e chegou a suspender as operações por meia hora, para conter a avalanche de perdas. Os bancos perderam não só crédito e reservas, mas também prestígio; a desconfiança é generalizada. Como no final dos anos 20 do século passado, os EUA estão no olho do furacão. Só que agora, devido à globalização, o simples chamuscar da maior potência do mundo acaba lançando faísca em todos os outros países.


Há quem diga que estamos vivendo uma nova - e bem mais alarmante - 'Crise de 29'; há quem fale em fim do 'império' americano; alarmistas evocam até o 'Juízo Final', o 'Apocalipse'. Para, afinal, entender o que é e como está se desenvolvendo a tormenta da crise financeira mundial, nosso Diretor de Ensino e professor de Física Rui Alves Gomes de Sá esclarece o 'economês' que tem dominado os meios de comunicação.


Como começou?

Em economia, dizemos que todas as crises financeiras são precedidas por bolhas. A dessa crise financeira foi uma bolha de crédito. Em 2001, o Federal Reserve, o Banco Central Americano, diminuiu a taxa de juros de 6% ao ano para 1% ao ano, com o objetivo de estimular a economia americana. Esse dinheiro fácil inundou o mercado, dobrou o valor das residências e estimulou as empresas a empréstimos sem créditos e garantias. Por conta disso, as agências de hipoteca americanas (financiamentos imobiliários) passaram emprestar em demasia a pessoas que não tinham como pagar a dívida. Essa medida contava com apoio político, pois atingia camadas mais pobres e incentivava a “moradia popular”. Além disso, esses empréstimos eram vendidos com desconto a bancos e seguradoras. Com o aumento da taxa de juros para conter a inflação, as prestações aumentaram e a inadimplência se elevou bastante. Foi a famosa crise subprime (submerso).


http://f.i.uol.com.br/folha/dinheiro/images/08274144.gif


O que aconteceu?

Ela atingiu em cheio o coração do sistema financeiro, cada vez mais central no capitalismo. Sem o fluxo normal de crédito, a máquina da economia global ficou asfixiada. Em 2008, as conseqüências desta inadimplência surgiram, inicialmente envolvendo as agências hipotecárias, posteriormente os bancos que compraram papéis dessas agências (bancos de investimento)...

Em abril, o Federal Reserve (Fed), resolveu emprestar dinheiro para um dos mais tradicionais bancos de investimento da Wall Street (bolsa americana): o Bear & Stearns. O objetivo era evitar a quebra desse banco. Ele acabou sendo vendido ao J.P.Morgan por uma fração do seu valor.


Há alguns dias, o Federal Reserve também “salvou” e assumiu o controle de duas das maiores empresas que garantiam créditos imobiliários no país (Fannie Max e Freddie Max). Depois dessas ‘operações de emergência’, porém, iniciativas semelhantes não ajudaram a evitar a quebra de outro gigante dos bancos de investimento, o Lehman Brothers. Isso resultou na MAIOR FALÊNCIA da história dos Estados Unidos (US$ 600 bilhões em capital).


Foi o pânico! Para evitar o colapso total, o Fed foi obrigado a entrar em ação comprando a AIG seguradora (compra de US$ 85 bilhões). E por que a AIG quebrou? Ela oferecera US$ 430 bilhões numa espécie de seguro (credit default swaps – instrumento financeiro muito arriscado lançado pelos bancos americanos para se proteger da inadimplência) para instituições que tivessem para receber seus créditos imobiliários. Com a inadimplência, ficou evidente a busca para receber esse seguro e, com isso, a AIG não teve como pagar. Por último, uma das aplicações americanas de investimento mais seguras (fundo de poupança), definida como money market, anunciou que, pela primeira vez, pagaria a seus investidores menos do que eles haviam investido. Para se ter uma noção, esses fundos de poupança reúnem mais de US$ 3 trilhões de reservas dos americanos. Para se fazer uma analogia, seria como se a poupança no Brasil desse prejuízo.


Resumindo: o custo dos empréstimos entre os bancos cresceu 16 vezes nos últimos 18 meses, porque as instituições financeiras não confiam mais uma nas outras e preferem ter dinheiro em caixa. Se os bancos não emprestam dinheiro entre si, também não emprestam para as indústrias, para os serviços e para as pessoas (consumidores). Até que a crise financeira acabe, a economia global não vai se recuperar. Setores considerados motores da economia, como a construção civil e o setor automobilístico, dependem de crédito e atravessam forte desaceleração. Como os Estados Unidos são a maior economia do mundo, a diminuição do consumo de sua população provocará queda nas importações provenientes de países como China, Índia e Brasil.


Como está se resolvendo?

A solução imediata para tentar controlar o incêndio foi lançar um pacote americano para tirar do mercado os papéis sem lastro que contaminam os balanços das empresas financeiras e paralisam o crédito. Esse pacote custará “centenas de bilhões de dólares” ao contribuinte americano.


O objetivo principal nessa situação precisa ser a passagem de confiança ao mercado. Se o pacote americano tiver sucesso, permitirá que a economia volte a respirar e a caminhar. Posteriormente, o governo e as empresas terão de se moldar à nova situação, com padrões mais limitados de financiamento. O sistema terá de excluir suas dívidas e papéis ruins. Todos esses fatores terão de ser acompanhados de perto pelos governantes.

Além disso, pela primeira vez, de forma coordenada, os quinze países da zona do euro, incluindo as duas maiores potências econômicas do bloco - Alemanha e França - lançaram em Paris um pacote de medidas para enfrentar a crise financeira global. Eles vão comprar participações em bancos. Haverá a compra de papéis da dívida e garantia dos empréstimos entre bancos até 31 de dezembro de 2009, praticamente paralisados com a crise de crédito, para
assegurar capital e liquidez às instituições financeiras. Outra decisão importante: nenhum país deixará seus grandes bancos falirem.


Como está o efeito no Brasil?

Nos últimos anos, a economia do Brasil tem se solidificado muito, favorecida pelo forte crescimento do setor econômico mundial. É lógico que, piorando o quadro da economia mundial, a situação por aqui vai piorar também.

A maior parte da expansão do PIB (Produto Interno Bruto) vem do mercado interno. Somente cerca de 15% vêm das exportações, área mais afetada pela crise.

No início, os problemas estavam ligados apenas às bolsas (campo financeiro). Nas últimas semanas, a crise começou a contagiar o setor produtivo, atingindo as exportações e o crédito externo.

Para atenuar esse problema, o governo, por meio do Banco Central, injetou mais de R$ 36 bilhões na economia para ajudar bancos médios e pequenos que antes buscavam crédito barato no exterior.


Considerações finais


Para atravessar um período complicado como este, os especialistas recomendam que os orçamentos familiares sejam mais austeros, com decisões de consumo e de investimento bem pensadas. Segundo eles, é difícil prever por quanto tempo as incertezas vão se estender, mas com um bom planejamento será possível enfrentá-las com menos danos.

Algumas humildes observações:

Haverá aumento da inflação?


Os efeitos da crise sobre os preços são controversos. Produtos importados, como bebidas, alimentos, roupas e eletroeletrônicos, provavelmente sofrerão reajustes em função da alta do dólar. Já as mercadorias de fabricação nacional devem ter pouco ou nenhum aumento, porque o crédito ao consumidor está escasseando e a desaceleração da economia reduzirá a demanda. Com isso, provavelmente, o efeito de contaminação da inflação pela valorização do dólar será pequeno, devido ao desaquecimento, à política monetária previsível e à administração das expectativas pelo Banco Central (monitoração da taxa de juros – SELIC).

Devo aplicar na BOLSA DE VALORES?


A forte depreciação do mercado acionário tornou muitas ações baratas, na avaliação dos analistas. Dessa forma, o mercado de ações pode ter boas oportunidades para serem garimpadas. O problema é que ninguém pode afirmar até quando a crise internacional seguirá afetando a Bolsa. Portanto, mais do que nunca, o investidor deve lembrar que investir em ações é arriscado. E que o retorno do investimento pode levar um tempo mais longo para se concretizar. Caso você tenha seu dinheiro aplicado na bolsa, o momento é de esquecê-lo e esperar a volta dos padrões normais das ações.


E a minha viagem de final de ano?


Neste momento de turbulência, ninguém se arrisca a fazer previsões para o dólar. Por isso, consultores aconselham o turista que estava planejando viagens internacionais a reavaliar a decisão. Se você quer viajar de qualquer forma e ainda não comprou a passagem, deve fazê-lo imediatamente. Segundo os economistas os preços de pacotes tendem a subir. Já a moeda para
gastos no destino pode ser comprada em pelo menos três parcelas, o que aumenta as chances de conseguir um preço mais razoável. Dívidas no cartão de crédito devem ser evitadas.

Por último, é importante reforçar que 'os bombeiros' já estão a postos e agora nos resta esperar que o fogo seja completamente apagado, avaliar os estragos e começar a reconstruir outras relações para o mercado financeiro e a economia globais.

Rui Alves Gomes de Sá

Um comentário:

Wellington Campos disse...

Muito adequada a charge, hein!

E viva a especulação.

Forte abraço.